Leitura: espelho do leitor, espelho do texto

20 07 2008

Na última quinta-feira (17/7), tive o prazer de participar de um simpósio sobre literatura infantil na USP. Sob o título de “A narrativa ficcional para crianças e jovens e as representações literárias de práticas de leitura”, o simpósio foi um dos eventos do Congresso Internacional 2008 da Abralic (Associação Brasileira de Literatura Comparada).

As exposições giraram em torno de duas questões principais:

  1. de que forma o texto infantil reflete a sociedade que o criou: mostrando um tipo específico de leitor, um conceito de infância, uma moralidade social, costumes, um processo editorial etc.;
  2. que estratégias um texto infantil traz para que o leitor se veja refletido nele.

Como num jogo de espelhos, os textos infantis (como todo texto) são carregados preceitos morais e ideologias da sociedade, de certo modo numa tentativa de formar cidadãos segundo seus valores. De outro lado, o leitor busca no texto elementos de identificação: personagens e situações que condizam com seus valores pessoais e respondam a seus desejos e interesses.

Daí para mim a importância de que a formação crítica de leitores seja estimulada desde cedo… para que os pequenos, expostos constantemente a discursos ideológicos (não só nos livros, mas também na TV, na internet, e em todos os outros meios), possam perceber, entender e questionar esses textos.

Assim tavez possamos ter, num futuro, cidadãos mais conscientes. Para mim, esse é um dos grandes papéis da educação, e um dos únicos caminhos para uma sociedade melhor. O que acham?

Simpósio Abralic 2008

Prof. José Nicolau Gregorin Filho e profa. Maria Zilda da Cunha debatem sobre ideologia na literatura infantil, durante simpósio do Congresso Internacional 2008 da Abralic.

Para quem se interessar, fiz a seguir um resumo das três exposições mais relevantes do simpósio, com algumas observações pessoais:

Leitura: um jogo de espelhos

José Nicolau Gregorin Filho (USP – São Paulo/SP)

A partir da década de 1970, a literatura infantil no Brasil alcançou uma qualidade menos moralizante/dogmatizante e mais livre/estética (mas ainda assim, com função pedagógica, o que é quase indissocíavel da literatura para crianças). Principalmente desde então, ela tem espelhado a sociedade, os grupos sociais e suas transformações. Isso porque, segundo o prof. Nicolau, as LDBs (Leis de Diretrizes e Bases) e os PCNs (Parâmetros Curriculares Nacionais) homologam a discussão de temas considerados tradicionalmente “tabu” para a infância, a saber: a morte, o sexo e a violência. Como exemplo, é trabalhada a obra Um garoto chamado Rorbeto (Gabriel, o Pensador e Eduardo Bueno – Cosac Naify), que traz a história de um garoto que aprende a usar suas aparentes deficiências em seu favor. Assim, manifestam-se valores como inclusão e respeito às diferenças, defedidos pela sociedade contemporânea.

De estratégias de leitura aos desafios para medir a astúcia do viajante

Maria Zilda da Cunha (USP – São Paulo/SP)

A partir da metáfora do labirinto, a profa. Maria Zilda mostra um tipo de leitura, denominada por Lucia Santaella, como “imersiva ou navegadora”. Nesse tipo de texto, que tem por grande exemplo a obra de Jorge Luis Borges, o leitor é chamado a todo momento a optar por caminhos, uma vez que o texto deixa elementos abertos para intervenção do “viajante”. Entre outras obras, a profa. Maria Zilda, traz Zubair e os labirintos (Roger Mello – Cia. das Letrinhas) em que o leitor é levado junto com o protagonista para dentro de labirintos e, em determinado momento, inclusive, se confunde com este. A obra mostra um tipo de texto, com relações hipertextuais, que têm sido colocado em evidência, entre outros motivos, devido à emergência das novas mídias.

Narizinho e Emília: representações de cenas de leitura e construção do perfil da leitora novecentista na obra infantil de Monteiro Lobato

Patricia Katia da Costa Pina (UESC – Ilhéus/BA)

A partir de cenas das obras do Sítio do Picapau Amarelo em que a personagem Dona Benta lê para as personagens infantis, a profa. Patricia estabelece dois perfis de leitor, tendo por base as personagens Narizinho e Emília. Narizinho sempre ratifica (e às vezes amplia) o texto lido por Dona Benta e a interpretação da avó. Seus comentários são sempre paráfrases e reprodução das idéias do texto. O leitor tipo “Narizinho” seria então aquele leitor modelar, tradicional, que as famílias do início do século XX esperariam de suas crianças (Será que isso hoje mudou?). Já Emília transgride o sentido original dos textos e questiona a interpretação tradicional de Dona Benta. Seus comentários subvertem os textos e os parodiam. O leitor tipo “Emília”, seria o leitor crítico, que as diretrizes pedagógicas e as concepções modernas de infância esperariam das crianças (será que estamos rumando para isso?). Com isso, a profa. Patricia conclui que Lobato cria um recurso em que há duas possibilidades de identificação do leitor infantil: o leitor tradicional com a personagem Narizinho (e também com Pedrinho) e o leitor moderno com a personagem Emília.