Falar é fácil…

19 05 2009

Miguel FalabellaEsta semana saiu uma entrevista com o Miguel Falabella no UOL Televisão, em que ele critica o grau de instrução da população brasileira:

O nível mental das pessoas que assistem à tevê no Brasil é por volta de 9 anos de idade. Em comparação a um jovem francês, o que lê um jovem brasileiro? Um jovem francês lê 200 vezes mais. E um país que não tem educação nos condena à mediocridade. Aqui mesmo tem diálogos e piadas que as pessoas não entendem, porque não têm informação. É o que eu brinco: para entender o “Toma Lá Dá Cá” tem de, pelo menos, ter lido “A Moreninha”.

[…]

Ela [a tevê] precisa se repensar urgentemente, como um todo. Nós precisamos apontar novos caminhos – mas é muito difícil. Porque nós trabalhamos com uma matéria-prima que é a palavra. Quanto menos educado é o povo, menos você pode dizer as coisas, por que as pessoas não entendem. As pessoas não leem e não sabem escrever. É aterrador. Por isso enfatizo a educação. O povo precisa ser educado, a leitura tem de ser incentivada. Não sei o que vai acontecer, mas, obviamente, mudanças são necessárias. (Para ver a matéria completa clique aqui.)

Ele tem toda razão. A educação e a prática de leitura no Brasil está, de fato, longe do ideal.

Agora, é muito fácil dizer que o povo é sem educação e não entende a “arte” produzida por ele. Qual o comprometimento dele, enquanto formador de opinião e comunicador, com a educação?
O que ele (e os meios de comunicação de forma geral) tem feito para reverter essa situação?

Não dá só pra criticar e polemizar, né?





Boneca de pano ganha de Harry Potter na mente dos leitores

23 07 2008
Em�lia, ilustrada por J. U. Campos (1947), e cena do filme Harry Potter e a Ordem da Fenix (2007)

Emília, ilustrada por J. U. Campos (1947), e cena do filme Harry Potter e a Ordem da Fenix (2007).

No começo do mês, saiu o relatório Retratos do livro no Brasil. Ele é resultado de uma extensa pesquisa promovida pelo Instituto Pró-Livro (uma parceria entre o governo e entidades privadas do livro no Brasil). A maioria dos dados apresentados, ainda que tristes constatações, não são novidade:

  • Apenas 8% da população considera a leitura uma atividade prazerosa, associando-a na maioria das vezes à obtenção de conhecimento.
  • Quase metade dos entrevistados (45%) não leu nenhum livro nos últimos três meses.
  • Dos outros 55%, metade são estudantes, que afirmam que lêem o que a escola indica (o que inclui os livros didáticos!)

Ainda assim, para a nossa literatura infantil, há notícias boas, como a de que o gênero está entre os quatro mais lidos (perdendo só para a Bíblia, em primeiro lugar, para os livros didáticos e para os romances). Além disso, cerca de 75% da crianças e adolescentes são leitores (20% a mais que a média).

Mas durante a leitura do relatório um dado curioso me surpreendeu: Lobato é o escritor mais admirado pelos leitores (e entre os 10 mais, há também Cecília Meireles e Maurício de Souza, autores reconhecidos por sua produção para crianças). O pai de Emília está à frente inclusive de Paulo Coelho e Jorge Amado (escritores bastante populares) e de Machado de Assis (considerado por muitos como o maior escritor da literatura brasileira)… É claro que Lobato tem também importantes obras de literatura para adultos, como Urupês e Negrinha, mas algo me diz que a Condessa de Três Estrelinhas tem um dedo nisso…

Os dez escritores mais admirados

  1. Monteiro Lobato
  2. Paulo Coelho
  3. Jorge Amado
  4. Machado de Assis
  5. Vinícius de Moraes
  6. Cecília Meireles
  7. Carlos Drummond de Andrade
  8. Érico Veríssimo
  9. José de Alencar
  10. Maurício de Souza

Confirmei essa minha intuição quando li outra informação: “O Sítio do Picapau Amarelo” é citado pelos leitores como uma das obras mais importantes para eles, perdendo apenas para a Bíblia… À frente até de Harry Potter, que teve que se contentar com o quarto lugar na mente dos leitores.

Os dez livros mais importantes para os leitores

  1. Bíblia
  2. O Sítio do Pica-pau Amarelo
  3. Chapeuzinho Vermelho
  4. Harry Potter
  5. Pequeno Príncipe
  6. Os Três Porquinhos
  7. Dom Casmurro
  8. A Branca de Neve
  9. Violetas na Janela
  10. O Alquimista

Isso mesmo! A Marquesa de Rabicó desbancou o bruxo ultra-pré-pós-tudo de Hogwarts… E olha que a boneca está completando 88 anos. Pela desenvoltura dela nem parece que já é uma senhora, né? Que botox que nada! O elixir da juventude é enchimento de macela e olhos de retrós!

Ah, preciso esclarecer que não tenho nada contra Harry Potter! Acho uma leitura muito divertida, prazerosa e uma porta de entrada para conhecer a mitologia medieval e outras leituras… Mas me levou a pensar os motivos do sucesso de Lobato. Ele certa vez, escreveu em carta para o escritor Godofredo Rangel, seu amigo:

Ando com idéias de entrar por esse caminho: Livros para crianças. De escrever para marmanjos já enjoei. Bicho sem graça. Mas para as crianças, um livro é todo um mundo. Lembro-me de como vivi dentro do Robson Crusoe do Laemmert. Ainda acabo fazendo livros onde as nossas crianças possam morar. Não ler e jogar fora; sim morar, como morei no Robson e nos filhos do Capitão Grant. (Lobato, Monteiro. A Barca de Glever. São Paulo: Brasiliense, 1956.)

Parece que seu desejo foi atendido.

É claro que a fama do Sítio não se deve somente aos livros, as adaptações para TV ajudam muito… Entretando, para mim, algumas características das personagens infantis de Lobato têm aí também um papel fundamental! Taí um assunto pra um outro post





Leitura: espelho do leitor, espelho do texto

20 07 2008

Na última quinta-feira (17/7), tive o prazer de participar de um simpósio sobre literatura infantil na USP. Sob o título de “A narrativa ficcional para crianças e jovens e as representações literárias de práticas de leitura”, o simpósio foi um dos eventos do Congresso Internacional 2008 da Abralic (Associação Brasileira de Literatura Comparada).

As exposições giraram em torno de duas questões principais:

  1. de que forma o texto infantil reflete a sociedade que o criou: mostrando um tipo específico de leitor, um conceito de infância, uma moralidade social, costumes, um processo editorial etc.;
  2. que estratégias um texto infantil traz para que o leitor se veja refletido nele.

Como num jogo de espelhos, os textos infantis (como todo texto) são carregados preceitos morais e ideologias da sociedade, de certo modo numa tentativa de formar cidadãos segundo seus valores. De outro lado, o leitor busca no texto elementos de identificação: personagens e situações que condizam com seus valores pessoais e respondam a seus desejos e interesses.

Daí para mim a importância de que a formação crítica de leitores seja estimulada desde cedo… para que os pequenos, expostos constantemente a discursos ideológicos (não só nos livros, mas também na TV, na internet, e em todos os outros meios), possam perceber, entender e questionar esses textos.

Assim tavez possamos ter, num futuro, cidadãos mais conscientes. Para mim, esse é um dos grandes papéis da educação, e um dos únicos caminhos para uma sociedade melhor. O que acham?

Simpósio Abralic 2008

Prof. José Nicolau Gregorin Filho e profa. Maria Zilda da Cunha debatem sobre ideologia na literatura infantil, durante simpósio do Congresso Internacional 2008 da Abralic.

Para quem se interessar, fiz a seguir um resumo das três exposições mais relevantes do simpósio, com algumas observações pessoais:

Leitura: um jogo de espelhos

José Nicolau Gregorin Filho (USP – São Paulo/SP)

A partir da década de 1970, a literatura infantil no Brasil alcançou uma qualidade menos moralizante/dogmatizante e mais livre/estética (mas ainda assim, com função pedagógica, o que é quase indissocíavel da literatura para crianças). Principalmente desde então, ela tem espelhado a sociedade, os grupos sociais e suas transformações. Isso porque, segundo o prof. Nicolau, as LDBs (Leis de Diretrizes e Bases) e os PCNs (Parâmetros Curriculares Nacionais) homologam a discussão de temas considerados tradicionalmente “tabu” para a infância, a saber: a morte, o sexo e a violência. Como exemplo, é trabalhada a obra Um garoto chamado Rorbeto (Gabriel, o Pensador e Eduardo Bueno – Cosac Naify), que traz a história de um garoto que aprende a usar suas aparentes deficiências em seu favor. Assim, manifestam-se valores como inclusão e respeito às diferenças, defedidos pela sociedade contemporânea.

De estratégias de leitura aos desafios para medir a astúcia do viajante

Maria Zilda da Cunha (USP – São Paulo/SP)

A partir da metáfora do labirinto, a profa. Maria Zilda mostra um tipo de leitura, denominada por Lucia Santaella, como “imersiva ou navegadora”. Nesse tipo de texto, que tem por grande exemplo a obra de Jorge Luis Borges, o leitor é chamado a todo momento a optar por caminhos, uma vez que o texto deixa elementos abertos para intervenção do “viajante”. Entre outras obras, a profa. Maria Zilda, traz Zubair e os labirintos (Roger Mello – Cia. das Letrinhas) em que o leitor é levado junto com o protagonista para dentro de labirintos e, em determinado momento, inclusive, se confunde com este. A obra mostra um tipo de texto, com relações hipertextuais, que têm sido colocado em evidência, entre outros motivos, devido à emergência das novas mídias.

Narizinho e Emília: representações de cenas de leitura e construção do perfil da leitora novecentista na obra infantil de Monteiro Lobato

Patricia Katia da Costa Pina (UESC – Ilhéus/BA)

A partir de cenas das obras do Sítio do Picapau Amarelo em que a personagem Dona Benta lê para as personagens infantis, a profa. Patricia estabelece dois perfis de leitor, tendo por base as personagens Narizinho e Emília. Narizinho sempre ratifica (e às vezes amplia) o texto lido por Dona Benta e a interpretação da avó. Seus comentários são sempre paráfrases e reprodução das idéias do texto. O leitor tipo “Narizinho” seria então aquele leitor modelar, tradicional, que as famílias do início do século XX esperariam de suas crianças (Será que isso hoje mudou?). Já Emília transgride o sentido original dos textos e questiona a interpretação tradicional de Dona Benta. Seus comentários subvertem os textos e os parodiam. O leitor tipo “Emília”, seria o leitor crítico, que as diretrizes pedagógicas e as concepções modernas de infância esperariam das crianças (será que estamos rumando para isso?). Com isso, a profa. Patricia conclui que Lobato cria um recurso em que há duas possibilidades de identificação do leitor infantil: o leitor tradicional com a personagem Narizinho (e também com Pedrinho) e o leitor moderno com a personagem Emília.